Sertanejo fecha ano com nova rainha e consolida poder feminino no gênero
A música sertaneja fecha o ano de 2023 com uma nova rainha, Ana Castela, consolidando uma temporada de destaques femininos, e apontando para 2024 a manutenção de sua condição de gênero mais tocado no Brasil. O sertanejo vai bem, obrigado, e consegue isso com o agronejo, a facção recente da turma que assimila um pouco do pop e do funk.
A dominação já foi maior, como na década passada, quando por dois anos seguidos 96 das 100 músicas mais tocadas no país eram de artistas sertanejos. Hoje, com várias listas de plataformas digitais diferentes distribuindo a percepção do sucesso, o sertanejo ainda lidera, alcançando mais de 80% das canções favoritas do público.
Mas é quando se olha para o topo das listas mais importantes que é possível entender a resistência do fenômeno. No Spotify, considerada em consenso pala crítica a aferição mais relevante de sucesso musical no Brasil de hoje, as cinco canções mais tocadas de 2023 são sertanejas. E, mais do que isso, são gravadas por sertanejas.
“Nosso Quadro”, de Ana Castela, que saiu em fevereiro, é a música do ano, mas arrasta com ela mais sete gravações com participação da cantora no top 100. Apenas seu sucesso em lançamentos individuais já seria impressionante, mas, com apenas 20 anos, a estrela se transformou em objeto de desejo de todos os seus colegas.
A simples citação “feat. Ana Castela” transforma imediatamente qualquer canção em potencial hit nacional. Na lista das cinco mais tocadas da temporada, ela aparece mais uma vez, em quarto lugar, com “Bombonzinho”, gravada com Israel & Rodolffo.
Ana atravessou o ano com dois hits individuais fortes, “Nosso Quadro” e “Solteiro Forçado”, turbinados com a estratégia de lançar seu álbum “Boiadeiro Internacional” em três partes, jogada comercial que entra também nas inovações da jovem cantora. A cada grupo de canções novas que o mercado recebia, as faixas ficavam emboladas no topo da parada.
Curioso é perceber que, antes, a impressão era de que Ana Castela aproveitava as parcerias para ganhar popularidade. Rapidamente, isso se inverteu. Hoje, estar com ela é o que dá novo empurrão na carreira dos outros. E quem quer se aproximar dela é a elite do sertanejo pop, como Luan Santana e Gusttavo Lima. Ana contribui até para aumentar os números da carreira do namorado, Gustavo Mioto.
De volta às canções mais tocadas do ano no Spotify, o pódio é feminino. Depois de “Nosso Quadro”, as duas colocações a seguir estão com “Leão”, de Marília Mendonça, em mais uma prova da perenidade da maior cantora e compositora sertaneja, e “Erro Gostoso”, de Simone Mendes. E este terceiro lugar tem muita história para contar.
A trajetória de Simone em 2023 é pura resiliência. Ela tratou de lamber as feridas da separação da irmã Simaria e lançou no início do ano seu primeiro DVD solo, que teve uma acolhida enorme entre seus fãs. O sucesso de “Erro Gostoso” é uma volta por cima inquestionável.
A canção ganhou várias votações de fim de temporada, inclusive o Prêmio Multishow na categoria Sertanejo e como melhor música de 2023 na festa da Globo, no programa de Luciano Huck.
Entre as duplas, foi um grande ano para Henrique & Juliano, Jorge & Mateus e Zé Neto & Cristiano, mesmo com esta última passando por um grande susto com o acidente de carro de Zé Neto, no início este mês. Ele já está se recuperando.
Mas é impossível não destacar Israel & Rodolfo, que emplacaram duas gravações entre as cinco músicas mais ouvidas do ano. Além do quarto lugar com “Bombonzinho”, com Ana Castela, a dupla também aparece na quinta posição com “Seu Brilho Sumiu”, com participação de Mari Fernandez.
É bom destacar que 2023 deve entrar na história como um ano de “troca da guarda” entre as grandes duplas sertanejas. O símbolo dessa movimentação é a turnê de despedida dos Amigos. No último dia 18, Leonardo, Chitãozinho & Xororó e Zezé de Camargo & Luciano fizeram o último show dessa empreitada, no Allianz Parque lotado.
O sucesso dessa excursão gigante mostra que essas estrelas ainda têm seu apelo, mas é evidente que o público jovem já elegeu novas duplas para seguir. O que se viu no Allianz foi uma plateia madura, que se mostra pouco disposta a frequentar as baladas sertanejas que avançam pela madrugada em casas de shows e festivais.
O caminho está aberto para duplas mais jovens (algumas até nem tanto, como Jorge & Mateus) e estrelas emergentes como Luan Pereira, o astro em ascensão no agronejo.
Se o ranking de músicas campeãs teve um top 5 exclusivamente sertanejo, o gênero quase repetiu o feito na lista dos cinco artistas mais executados no país. A única exceção foi MC Ryan, que o ocupa o terceiro lugar. Lideram Ana Castela e Henrique & Juliano, com Marília Mendonça e Jorge & Mateus completando a lista.
E MC Ryan é o grande “intruso” nas paradas sertanejas nos últimos meses, com dois hits ao lado de Luan Pereira, “Ela Pirou na Dodge Ram” e “Dentro da Hilux”, nessa clara tendência de agronejo de ostentação, com garotas e carrões.
Se o movimento nas paradas dá todas as indicações de domínio sertanejo pelos próximos 12 meses, ainda há uma questão em aberto na relação do gênero com o cenário musical brasileiro. Persiste a ausência de atrações sertanejas nos grandes festivais pop do país.
The Town, Rock in Rio e até o Lollapalooza já abriam espaço para pop, eletrônico, funk, rap, axé e até samba. No entanto, mesmo os nomes mais descaradamente pop do agronejo seguem fora desses eventos gigantes.
O caminho inverso está livre há tempos. Grandes eventos sertanejos recebem sem traumas nomes como Thiaguinho ou Jota Quest. Vale lembrar que até o Maroon 5 já se apresentou no Festival Villa Mix.
Um dos executivos de empresa que organiza esses festivais internacionais disse a este repórter: “O dia em que o sertanejo entrar nesses eventos internacionais de pop, não vai sobrar lugar para mais ninguém”. Será que esse dia pode chegar em 2024?