O que traz a felicidade para o ser humano?
“Felicidade é subjetiva e transitória”, diz professor responsável por nova disciplina da UNB
Relacionamentos, empregos que dão status, bens materiais, férias em lugares paradisíacos, poupança, acúmulo de façanhas sexuais, visitas à academia, consumo de cultura, trabalho voluntário… Afinal, o que traz felicidade para o ser humano?
Para o doutor em psicologia comportamental e professor da Universidade de Brasília (UnB) Wander Pereira, não há uma fórmula “mágica” para alcançar a felicidade. Há, na verdade, caminhos que podem ser aprendidos.
O docente estará à frente da disciplina felicidade, que será ministrada na Universidade de Brasília, no campus do Gama – onde estão concentradas as faculdades de engenharias aeroespacial, automotiva, eletrônica, de energia e de software.
A matéria, inspirada nas universidades de Harvard e Yale, quer proporcionar aos alunos condições para enfrentar as adversidades da vida – tanto acadêmica quanto pessoal – e ajudá-los a encontrar algo que “faça sentido para si e para os outros”, explicou o professor.
Depois de ver que as 240 vagas do curso foram preenchidas antes mesmo do início do semestre letivo – 7 de agosto, Wander discorreu sobre os desafios de ser feliz em uma sociedade de consumo em entrevista ao site G1. Confira abaixo:
O que é felicidade?
A felicidade é muito difícil de conceituar, tanto academicamente como no dia a dia das pessoas. Estabelecer limites para dizer o que é e o que não é felicidade também é muito difícil.
Felicidade é um sentimento subjetivo que nós seres humanos, volta e meia, temos e vivenciamos. A felicidade é um estado transitório de emoção positiva.
O conceito de felicidade em 2018 é mais complexo do que era há 100 anos?
A gente não tem ideia do que as pessoas falavam sobre felicidade há 100 anos. O que a gente sabe são algumas posições filosóficas sobre a felicidade. Tem a posição de Aristóteles, que falava em felicidade enquanto prazer e felicidade enquanto algo que faça sentido para o sujeito.
A felicidade enquanto tema de interesse da ciência e da academia, da universidade, é bem recente. Mas, hoje, o que se sabe sobre felicidade não tem relação com o conceito de felicidade.
A felicidade continua sendo esse sentimento transitório, característico dos seres humanos.
Há alguns autores interessantes na pesquisa sobre felicidade, como Martin Seligman. Ele fala que a felicidade pode ser hierarquizada em três dimensões: prazer, engajamento e significado.
- Prazer: é aquilo que as pessoas obtém quando consomem alguma coisa, que traz uma sensação imediata de alegria, de euforia e, algumas vezes, de alívio. É felicidade do ponto de vista da sua camada mais básica, que é o prazer.
- Engajamento: A felicidade pode ser expressada também nas coisas que você faz que têm algum sentido para você mesmo. Seligman chama isso de engajamento. É quando você, por exemplo, pratica uma atividade física, um esporte, uma atividade artística que você gosta muito, que você está engajado, motivado para aquilo. Esse é um nível de felicidade um pouco mais elevado.
- Significado: E há o caso de quando você é feliz ao realizar e ao compartilhar uma coisa que faz sentido para a humanidade, para muitas pessoas. No sentido universal. Essa é a felicidade é mais duradoura porque ela não depende de valores materiais. Ela depende muito mais das suas atitudes, da sua conduta, de como você encara as coisas. Por exemplo, a solidariedade e a espiritualidade estão nesse nível de felicidade. A felicidade é alcançada quando você sente que consegue mudar um grupo de pessoas, ajudá-las, melhorá-las…
Podemos aprender a ser felizes? A felicidade é uma competência que pode ser aprendida?
Felicidade não é uma competência. A gente não pode restringir a felicidade a uma competência. Você imagina se isso fosse possível?
A felicidade é um conceito formado por vários outros conceitos, a gente chama de conceito relacional. Ou seja, a felicidade não se define em si mesma, mas depende da presença de outros pequenos conceitos que a formam.
Sei que para ser feliz existem várias coisas que podem ser feitas, mas, se vocês juntar quantitativamente essas coisas, pode ser que uma pessoa não se torne feliz. Por que? Porque, novamente, volto àquele conceito inicial: a felicidade é um estado subjetivo.
Ensinar alguém ser feliz pode ser uma tarefa muito árdua, mas você pode fornecer alguns caminhos para essa pessoa e construir com ela essa felicidade. Esse é um ponto.
A gente tem que separar o que é ensinar e o que é aprender. Aprender felicidade, talvez, seja uma tarefa um pouco menos complicada. Por que você pode aprender a partir das suas atitudes, a partir de exercícios de prática que levem a felicidade. Como mudanças de hábitos, por exemplo. Aprender a mudar a rotina e ser um pouco menos escravo dessa rotina. E, portanto, estar caminhando na direção de ser mais feliz.
A felicidade – ou a aparência dela – tornou-se uma obsessão em tempos de redes sociais. Fotos de viagens fantásticas, de casais apaixonados, de corpos saudáveis e perfeitos… Pelas telas dos celulares, recebemos uma avalanche de informações sobre como a vida dos outros é (ou parece) perfeita. Como as redes sociais têm influenciado a nossa percepção sobre a felicidade?
A gente vive um momento da busca pela felicidade constante. As redes sociais potencializam isso. E isso tem relação com a sociedade de consumo.
O máximo que a sociedade de consumo consegue atingir é o nível de felicidade ligado ao prazer, um tipo de felicidade muito efêmera. Por exemplo, “é muito muito bom quando eu compro o celular de última geração, mas daqui a três meses ele fica obsoleto e eu fico triste com isso”.
As pessoas, sempre, botam fotos muito felizes, em momentos de consumo de coisas prazerosas, como viajar ou estar comendo algo gostoso em um restaurante. Se você coloca uma foto um pouco mais reflexivo, você pode ver que as pessoas vão questionar, vão perguntar o que você tem, se algo aconteceu.
Então, parece, que a sociedade atual não dá a você o direito de ser reflexivo e de ser triste também. A tristeza é inerente às condições que nós vivemos. É um sentimento que existe e que em momentos da nossa vida nós teremos que vivê-la.
Enquanto as redes sociais existirem, essa obsessão continuará?
As redes sociais não são a causa disso. As redes sociais dão difusão e expandem as fronteiras desse fenômeno. Esse fenômeno está ligado ao modo de viver da sociedade. Principalmente, a sociedade ocidental – a sociedade do consumo, capitalista, que homogeneíza as pessoas, as torna muito parecidas. Em que a posse de alguma coisa se transforma em um critério de inclusão.
Características pessoais, como o caráter e as atitudes contam muito pouco para essas regras que a sociedade de consumo estabelece. O carro novo e uma roupa legal acabam contando mais. Enquanto existir essa necessidade de se sentir incluído nesses critérios da sociedade de consumo, as redes sociais vão continuar bombando, reproduzindo e dando difusão a essas coisas.
Muitos jovens checam o Facebook a cada cinco minutos, vão a evento pensando nos posts para o Instagram… Enfrentam o medo estar perdendo algo, de “ficar de fora”, o chamado FoMO – sigla para “Fear of Missing Out”. Isso se encaixa nessa obsessão pela felicidade?
Sem dúvida. Essa é uma das facetas dessa busca pela felicidade. Nesse caso aí pela aprovação social. Esse é um fenômeno que surge com as redes sociais. Obviamente, esse fenômeno está dentro dessa lógica de ter alguma coisa para ser reconhecido como indivíduo. É uma sede, uma obsessão por likes. Obsessão por se sentir aprovado, aceito, reconhecido.
Muitas pessoas trabalham de segunda a sexta-feira esperando pelo fim de semana – na expectativa de, finalmente, serem felizes. Como é possível enxergar e sentir a felicidade no dia a dia, durante a rotina?
Essa é uma característica da nova geração, que tenta encontrar a felicidade em um momento, em um lugar.
A segunda-feira pode ser tão interessante como a sexta, como o sábado ou o como domingo. Só depende de mim. Depende de eu conseguir valorizar cada coisa, cada momento que eu estou vivendo, agradecer pela vida, compartilhar com amigos, ter uma atividade física, uma atividade espiritual… Valorizar muito mais o caminho do que a chegada.
Existe até um termo usado pela mídia, pela propaganda e, muito comum, nas redes sociais: o chamado “sextou”. Isso é um fator gerador de ansiedade imenso.
A felicidade está no dia a dia, está no agora. A felicidade não está no passado, como muita gente fala: “ah, eu era feliz quando criança”. Alguns distúrbios estão ocorrendo para que você não enxergue que o momento para ser feliz é o agora.
Se você estiver esperando que a felicidade chegará quando você comprar um carro, comprar aquela roupa, ou quando a sexta-feira chegar, rapidamente, perceberá que ao consumir essas coisas, o entusiasmo passará. Viver assim gera muito mais ansiedade, que é um passo para a infelicidade.
Muitos coaches criam um “modo de fazer” para ser feliz. Por meio desses “modos de fazer”, seremos felizes. Isso existe?
Não há fórmula. Se existe, alguém está a escondendo. O grande problema dos livros de autoajuda, de alguns palestrantes que trabalham com isso é que eles tendem a difundir fórmulas genéricas sem considerar a pessoa. E a felicidade depende muito da pessoa.
Fonte: G1