Caso Ronaldinho envolve policiais, fiscais e até banco estatal

 

Quarta-feira, 4 de março, 9h15 da manhã, o cidadão brasileiro naturalizado paraguaio Ronaldo de Assis Moreira apresenta às autoridades de controle migratório do Aeroporto Silvio Pettirossi, em Luque, no Paraguai, o passaporte n° Q568928. Às 9h18, o também cidadão brasileiro naturalizado paraguaio Roberto de Assis Moreira entrega o passaporte Q569753 aos fiscais.

Ronaldo é Ronaldinho Gaúcho, enquanto Roberto é Assis, irmão do ex-jogador. Ambos tiveram a entrada no país liberada em questão de poucos segundos, mas não passaram despercebidos para um grupo de promotores do Ministério Público. Afinal, momentos depois foi descoberto que o passaporte Q568928 havia sido emitido cerca de dois meses antes em nome de María Isabel Gayoso, e não de Ronaldinho. Já o documento Q569753 era da senhora Esperanza Apolonia Caballero Coronil, mas estava com o nome de Assis. Ou seja, eram passaportes fraudulentos (originais, mas com conteúdo falso).

Se em um primeiro momento chegou a se considerar a possibilidade de que tudo não havia passado de um mal-entendido e, por isso, não era necessário abrir processo contra os dois irmãos, o caso sofreu grande reviravolta dois dias depois, quando a Justiça decretou a prisão de ambos e determinou que eles precisavam permanecer detidos durante a investigação. A suspeita do MP é de que Ronaldinho Gaúcho e seu irmão façam parte de um amplo esquema estruturado para desenvolver documentos falsos. A quadrilha contaria com a participação de empresários e funcionários públicos para facilitar a operação de negócios ilegais no país. Mas, para o MP, o objetivo final seria, na verdade, lavagem de dinheiro.

A defesa de Ronaldinho e seu irmão alega que os dois foram enganados e não sabiam que os passaportes tinham sido adulterados. Por enquanto, não conseguiram convencer as autoridades paraguaias e têm acumulado sucessivas derrotas na tentativa de tirar os seus clientes da cadeia.

De acordo com promotores, advogados, empresários e brasileiros que trabalham no Paraguai ouvidos pelo Estado na última semana, entre os envolvidos no esquema de falsificação de documentos estão servidores da Polícia, do Banco Nacional de Fomento, da Direção Nacional de Aeronáutica Civil e da Direção Geral de Imigração.

A trama começa quando criminosos negociam com investidores estrangeiros a obtenção da nacionalidade paraguaia para facilitar a abertura de empresas ilegais no país. O passo seguinte é ter uma conta corrente no Banco Nacional de Fomento em nome do estrangeiro interessado no passaporte falso. Um depósito de US$ 5 mil (cerca de R$ 25 mil) é usado como garantia para iniciar o processo de produção dos documentos e demonstrar vínculo com o país. Funcionários do banco ganham acesso ilegal para operar a conta.

Outra parte desse grupo de criminosos é escalada para cooptar cidadãos paraguaios. Cabe a essas pessoas solicitar passaportes legais nos órgãos oficiais. Após a emissão, esses documentos, então, são levados para funcionários corruptos do Departamento de Informática da Polícia Nacional, que adulteram os dados e incluem as informações dos estrangeiros. Os passaportes são entregues aos empresários, que repassam para os destinatários no exterior.

O passo seguinte é comunicar os agentes da Direção de Migrações e da Direção Nacional de Aeronáutica Civil, responsáveis pelo controle de entrada e saída de estrangeiros no país, que eles devem permitir o ingresso ilegal desses estrangeiros com nacionalidade paraguaia sem avisar as autoridades. No caso de Ronaldinho, foi enviada uma carta à administração do aeroporto de Luque pedindo celeridade na liberação do ex-jogador a fim de evitar que a aglomeração de curiosos pudesse provocar transtornos aos demais passageiros.

A investigação do MP aponta que, com os passaportes em mãos e já dentro do Paraguai, os investidores estrangeiros abrem empresas de fachada. A suspeita é de que Ronaldinho e seu irmão estariam interessados no ramo dos cassinos. Os dois, inclusive, participariam do lançamento de um cassino no mesmo hotel em que estavam hospedados no último dia 4 quando policiais apreenderam os documentos falsos no quarto de Ronaldinho. Começava ali o calvário do pentacampeão do mundo em terras paraguaias.

SEMANA DECISIVA

A próxima terça-feira pode ser decisiva para Ronaldinho Gaúcho e seu irmão. É a data que o juiz Gustavo Amarilla marcou a perícia nos telefones celulares do ex-jogador e de seu irmão. O conteúdo dos aparelhos é considerado peça-chave na investigação que apura possível ligação dos brasileiros uma quadrilha especializada em falsificação de documentos e lavagem de dinheiro.

Por isso, mesmo que os advogados apresentem novo recurso à Justiça pedindo a soltura de ambos, pelo menos até terça-feira Ronaldinho Gaúcho e o irmão continuarão detidos.

Os dois estão desde o último dia 6 na Agrupación Especializada da Polícia Nacional do Paraguai, presídio de segurança máxima localizado em Assunção e não têm previsão de quando poderão ganhar liberdade. Os brasileiros foram colocados em uma ala com políticos e policiais acusados de corrupção. Os presos considerados mais perigosos estão em outro setor do presídio.

Segundo a ABC TV, do Paraguai, na última sexta-feira Ronaldinho aceitou participar de uma partida de futebol na cadeia. Ele teria atuado no time de Fernando Gonzalez Karjallo, ex-dirigente do Sportivo Luqueño preso por lavagem de dinheiro. De acordo com relatos de policiais que assistiram ao jogo, a equipe de Ronaldinho venceu por 11 a 2, com cinco gols e seis assistências do brasileiro.

Mesmo que o ex-jogador e o irmão consigam se livrar da acusação de fazerem parte de uma organização criminosa, o uso de passaportes falsos já seria suficiente para mantê-los encarcerados no entendimento de especialistas em Direito Penal Internacional ouvidos pelo Estado.

Na última sexta-feira, policiais e promotores do Ministério Público fizeram uma operação de busca e apreensão na casa de Dalia López e em uma empresa da qual ela é acionista. A empresária é apontada como responsável por levar Ronaldinho ao Paraguai e comandar o esquema de falsificação de documentos. Até agora, o MP já indiciou 16 pessoas, das quais 15 estão presas.

Estadão

 

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