Cigarro eletrônico: ‘Estamos criando uma legião de dependentes de nicotina’, diz Drauzio Varella
Um pequeno dispositivo surgiu como uma opção supostamente menos prejudicial à saúde do que o cigarro convencional – ou até mesmo uma forma de ajudar a parar de fumar. Com esse discurso enganoso, que se mantém até hoje, o cigarro eletrônico virou sensação nos últimos anos e é usado livremente em bares, festas e até escolas.
Na reportagem especial do Fantástico, doutor Drauzio Varella mostra que essa “moda” é, na verdade, uma armadilha, e explica também o que está sendo feito para combater o que especialistas já classificam como uma “epidemia de nicotina entre jovens”.
“(Os cigarros eletrônicos) Nada mais são do que dispositivos para administrar nicotina, a droga que provoca a dependência química mais escravizadora. Eu sei, porque senti no corpo. Eu fumei dos 17 aos 36 anos. Todo o esforço que nós fizemos para reduzir o número de fumantes será perdido. Estamos criando uma legião de dependentes de nicotina e de fumantes passivos, que ficarão com os pulmões doentes, agredidos pela fumaça dos que fumam os eletrônicos”, afirma Drauzio Varella.
O que são e como funcionam
Cigarros eletrônicos, vaporizadores, vapes: os nomes variam em função de detalhes como quanto soltam de aerossol ou se são mais ou menos potentes. Os mais comuns são recarregáveis, menores, conhecidos como pods. Todos são dispositivos eletrônicos para fumar e podem conter nicotina.
“A nicotina líquida é aquecida dentro desse dispositivo e ao dar uma tragada, forma-se um vapor. Só que para formar esse vapor, é necessário que se insiram substâncias que não existem no cigarro tradicional. O usuário de cigarro eletrônico aumenta em 42% a chance de ter um infarto. O adolescente que usa cigarro eletrônico, ele aumenta em 50% a chance de ter uma asma”, afirma Stella Martins, pneumologista do InCor.
Em média, um cigarro comum oferece 15 tragadas. Um maço teria, então, 300 tragadas. Logo, um vaporizador de 1,5 mil tragadas seria equivalente a cinco maços. Mas a comparação não é tão simples assim, porque um cigarro comum, no Brasil, tem no máximo um miligrama de nicotina. Isso é regulamentado pela Anvisa. E os diversos tipos de pod, como não são fiscalizados, podem entregar muito mais nicotina.
Cada vez mais se descobre que o que tem dentro de um cigarro eletrônico não é só aroma, ácido e nicotina.
“Tem a nicotina, mas um estudo recente, que eu fiquei assustada quando eu li, eles descobriram em algumas marcas que foram pegas aleatoriamente nos Estados Unidos, no mercado, e foram estudar. Eles descobriram que tinha remédio para pressão alta, remédio para controlar batimento cardíaco, remédio para quem tem epilepsia, quem tem convulsão, tinha antibiótico… Então, eu posso dizer para você que a gente ainda não sabe o que tem lá dentro. E aí, assim, remédio é feito para você tomar via oral. Alguns pela veia”, explica Stella Martins.
Uma pesquisa da Universidade Federal de Pelotas revelou que quase 20% dos adultos entre 18 e 24 anos já experimentaram cigarro eletrônico. É quase três vezes a taxa da população em geral. A pesquisa não entrevistou menores de idade.
“A indústria não tem muito interesse nos velhos fumantes. Eles já estão viciados, eles já fizeram as suas doenças, eles não querem saber disso, não querem falar sobre isso. Então, eles querem é que o público jovem comece a usar”, afirma Ana Menezes, epidemiologista e pesquisadora da UFPel.
Desde 2009, a Anvisa proíbe a venda, a importação ou a propaganda de cigarros eletrônicos. Mas essa decisão voltou a ser analisada, porque existem 19 projetos de lei sobre cigarros eletrônicos em análise no Congresso Nacional.
Atualmente, é muito fácil comprar os vapes e pods. A Polícia Federal tem feito operações de repressão ao contrabando de cigarros eletrônicos. Nos últimos 15 dias, uma apreensão foi feita em São Paulo e outra em Brasília.
O Fantástico perguntou aos três maiores fabricantes de cigarro do Brasil qual era posição deles em relação ao comércio do dispositivo eletrônico.
Em nota, a Philip Morris Brasil diz que apoia um modelo regulatório de que combata as vendas clandestinas dos cigarros eletrônicos.
Também em nota, a Japan Tobacco International diz que que é favorável à liberação da venda de dispositivos eletrônicos porque a regulamentação vigente não tem se mostrado efetiva.
A British American Tobacco Brasil preferiu se manifestar por uma porta-voz: “A regra traz segurança para o consumidor que busca o cigarro eletrônico que obedece a aquele critério sanitário. E ele permite, inclusive, que você oriente, que você informe, que você eduque essa geração e que esses dispositivos têm risco. Um risco reduzido, mas não são produtos isentos de risco”.