Efetividade de vacinas contra COVID surpreende e supera taxa de testes, diz Fiocruz
As vacinas usadas no Brasil contra a covid-19 tiveram uma eficácia na população maior, em alguns casos, do que os índices alcançados no período de testes com voluntários. A conclusão faz parte do primeiro boletim do projeto Vigivac, da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), que teve como base 150 milhões de pessoas que tomaram uma das quatro vacinas administradas no país até outubro.
Segundo a avaliação, as vacinas tiveram uma efetividade entre 83% a 99% para casos graves e óbitos entre as faixas etárias de 20 e 80 anos. Na população abaixo de 60 anos, essa proteção ficou acima de 85% contra risco de hospitalização e de 89% para óbito, em todos os casos. A conclusão do levantamento é que CoronaVac, AstraZeneca, Pfizer e Janssen são eficazes para reduzir drasticamente internações e mortes.
“Foi uma boa surpresa para nós que, na vida real, os números foram melhores do que no período de testes”, afirma ao UOL Manoel Barral-Netto, pesquisador na área de imunologia da Fiocruz Bahia e líder do estudo.
O sucesso da vacinação é apontado como ponto-chave para a redução de casos graves e mortes de covid-19 desde abril. Desde então, há uma queda constante nos índices, sem que nenhum estado registre nova onda da doença —como ocorreu, por exemplo, com países da Europa.
Uma taxa maior na vida real do que na fase de testes preliminares acontece algumas vezes. Felizmente isso ocorreu na covid-19, o que mostra que as vacinas funcionam e conferem proteção quase por igual, com uma pequena diferença entre elas. (Manoel Barral- Fiocruz)
Para ele, os resultados se tornam ainda mais significativos porque pessoas que participam de testes são voluntárias e têm, em regra, perfil mais assíduo em medidas de proteção —o que não representa toda a população.
“Quando você tem esses índices altos de efetividade e proteção, gera muita confiança de que a vacina é eficaz —e não só uma delas, mas todas usadas aqui funcionaram”, afirma.
Bons resultados
Foram analisadas pela Fiocruz as infecções sintomáticas, internações hospitalares e óbitos por covid-19 no Brasil até outubro. Os dados foram colhidos dos bancos de dados da Campanha Nacional de Vacinação, Notificações de Síndromes Gripais (e-SUS Notifica) e Notificações de SRAG Síndrome Respiratória Aguda Grave (SIVEP-Gripe).
Principal alvo dos brasileiros que criticam a vacina, a CoronaVac apresentou, na prática, índices próximos ao das demais vacinas usadas no país. Em quase todas as faixas etárias, ela apresentou resultados melhores até que aqueles vistos na fase de testes em voluntários.
Taxa de eficácia para internação por idade da CoronaVac:
18-29 anos – 89%
30-39 anos – 91%
40 e 49 anos – 90%
50-59 anos – 85%
60-69 anos – 81%
70-79 anos – 77%
80 anos ou mais – 64%
No caso de óbitos, essa taxa variou de 69% a 95% entre faixas etárias, com redução à medida que a idade do imunizado era maior.
Em sua apresentação, a CoronaVac apontou uma eficácia de 78% para internações (em uma média todas as idades), por exemplo; na vida real, porém, apenas idosos acima de 70 anos tiveram uma proteção menor que a aferida nos testes.
Outra vacina também produzida no Brasil, a AstraZeneca teve um índice de efetividade para internações entre 87% e 98%, a depender da faixa etária, chegando a proteger 99% de óbitos entre pessoas de 18 a 59 anos.
No caso da Pfizer, o percentual de proteção contra óbito e internação entre 30 e 59 anos foi de 99%, e de 98% no caso das faixas de 18 a 29 anos e de 70 a 79 anos. Como ela chegou após o fim da fase de idosos acima de 80 anos, o percentual nesse grupo não pôde ser aferido.
A vacina Janssen não alcançou taxas para todos os intervalos de idade (já que ela é a menos aplicada), e apenas alguns tiveram efetividade registrada, com índices de de 88% e 93% para internações e de 84% a 94% para óbitos.
“Os resultados apontam que todas as vacinas estão conferindo grande redução do risco de infecção, internações e óbito por covid-19 para a população brasileira. Para a população abaixo de 60 anos, todas as vacinas analisadas apresentaram proteção acima de 85% contra risco de hospitalização e acima de 89% para risco de óbito por covid-19”, diz o boletim.
A pesquisa destaca que as mortes entre menores de 20 anos vacinados é “raríssimo”. Como esperado, nos grupos de pessoas com mais idade, foi observada uma menor efetividade das vacinas.
“A redução foi de 7% quando comparados os maiores de 80 anos frente aos com menos de 60 anos, tanto para AstraZeneca quanto para CoronaVac”, diz o estudo.
No caso, as duas vacinas foram as únicas que tiveram a eficácia para todas as idades, já que foram as primeiras usadas no país e que atenderam quase todo o público prioritário de idosos e profissionais de saúde.
O que mais é importante considerar
Para Manoel Barral, alguns aspectos precisam ser considerados para que o nosso país tenha tido bons resultados.
“No Brasil, a gente praticamente não tem resistência à vacina da população, e isso criou uma proteção coletiva muito grande. Não tivemos grandes locais em que as pessoas não queriam tomar a vacina, como em outros países, e que ficaram como fontes de transmissão”, diz.
Outro ponto que ele considera importante é que as vacinas começaram a ter seus ciclos fechados entre a população em um momento em que a circulação viral estava em queda (já que o pico de segunda onda foi entre março e abril), o que pode dar uma efetividade maior.
“Por isso a gente diz que essa situação de baixa transmissão pode gerar um certo efeito de superestimar os valores de efetividade. Ali em março e abril havia uma alta transmissão viral, e agora temos uma situação com a transmissão menos elevada”, afirma.
“É como o uso de repelente: se você for para uma área que não tem mosquito, você nunca vai avaliar a eficácia dele. Mas, quando você está em uma área com muito mosquito e tem muita picada, pode distinguir melhor qual o efeito do produto. Então, nesse cenário atual, esse número pode ser mais otimista que a realidade.” (Manoel Barral, da Fiocruz)
Por fim, o pesquisador ressalta que o cenário positivo não quer dizer que vencemos a pandemia. “O vírus ainda está circulando e precisamos manter todos os cuidados. Os países que tentaram relaxar tiveram de voltar atrás. Nada impede que tenhamos uma nova onda no Brasil, temos de seguir atentos”, finaliza.
Fonte: UOL